CHEIAS DE 1967 (região de Lisboa)
No passado dia 25/11, uma amiga enviou-me uma mensagem sobre este assunto. Depois de ler o texto e ver algumas imagens anexadas (a imagem que aqui anexo foi retirada de um jornal da época, creio que Diário de Notícias), parei um bocado passando em revista, da minha memória, as horas que vivi naquele serão de 25/11/1967.
Eu tinha então 19 anos e vivia na Av. Santos Dumont, muito perto da Av, de Berna. No final desse dia chovia muito, em pouco tempo a chuva passou de muito intensa a autêntico dilúvio, de tal forma que o caudal da Av. de Berna, frente à Gulbenkian, já transformada em autêntico rio, era fortíssimo e levava tudo à frente. A poucos metros, na R. Tenente Espanca, olhávamos aquele assustador espectáculo, eis quando passa a grande velocidade sobre as águas daquele "rio" a guarita do Trem Auto. Local onde fica hoje a Universidade Nova, à época era um quartel militar. Na enxurrada seguiam alguns automóveis rebolando ao sabor das águas... Entretanto, eu e os amigos que assistíamos ao fenómeno, fomos até ao cimo da Praça de Espanha para dali ver-mos como estaria aquele espaço. Naquele tempo a Praça de Espanha era um campo tipo baldio, em que passavam as estradas, continuação da Av. António Augusto Aguiar, Av. de Berna, continuando passavam a ser Av Kaloust Gulbenkian e Av. Columbano Bordalo Pinheiro. Vista da parte mais alta, a dita Praça era um autêntico lago (o terreno era bastante mais baixo do que actualmente), ficaram dois eléctricos parados no meio do "lago". Naquele tempo passavam ali os carros eléctricos de Benfica e Carnide. Embora dramático, era esteticamente bela a imagem dos eléctricos no meio do "lago", a iluminação interior fazia reflectir na água o colorido amarelo dos carros eléctricos. O palacete da embaixada de Espanha com água até às varandas!
Chegavam-nos ecos da catástrofe que ia pelas zonas Norte e Oriental de Lisboa. Algumas pessoas que vinham dos lados do Lumiar e Alvalade, mas sobretudo de Carnide e Lumiar, contavam que havia muitas casas submersas, mortes e desaparecidos. No dia seguinte começou a "ressaca", durante a noite a chuva parou ou reduziu muito de intensidade, era altura dos comentários, dos curiosos, os jornais referiam-se ao tema como cheias, chuva intensa, vítimas e pouco mais. Não se reportava a verdadeira dimensão da catástrofe. Como se a realidade de uma região ou de um povo não pudesse ser vista na sua totalidade após uma catástrofe natural. Havia que esconder a pobreza, as casas mal construídas, as barracas, como se um povo pobre e amordaçado (o regime) estivesse acima da força da Natureza. Assim, dias depois os jornais iam publicando os números que a censura autorizava e atingiram no final da contagem, quatrocentas e tal vítimas. Toda a gente comentava que havia muitas centenas de mortos e desaparecidos. Ficou um lastro de sofrimento, de dor e miséria que levaria anos a cicatrizar.
Dezoito anos depois, por razões profissionais, fui colocado em Odivelas e fazia todo o concelho de Loures (ainda não havia o concelho de Odivelas), além de uma faixa do concelho de Lisboa. Conheci então muitas pessoas que me contavam factos ocorridos com elas e ou com familiares. Contaram-me episódios horríveis e marcantes para as famílias. Eu que na juventude tinha vivido os acontecimentos de uma forma ligeira sem me aperceber da dimensão da catástrofe, vim então a conhecer a sua verdadeira dimensão através de testemunhas que a viveram activamente e que padeceram grandes sofrimentos, muitos perderam nas famigeradas cheias de 1967 alguns familiares. Sempre se referiam a muitas centenas de mortes.
Para que conste. E já passaram 52 anos!

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